Reino da Quinta Velha
Instituto Histórico e Geográfico da Quinta Velha
Secção de Cultura.
A Quinta Velha tem mais de 300 anos de existência. Desde nossos ancestrais, O Sr. Antônio da Gama Luna e a Sra. Maria Borges, muita coisa já aconteceu e muitos personagens marcaram a história de nossa nação. Formada por povo humilde e quase todos vindos do Interior do Rio Grande do Norte, uma forte cultura popular se formou entre os habitantes desta linda terra.
Contam os mais antigos que lá pelos idos de 1910 o Guarda Apolônio da Guarda Nacional da Quinta Velha, guarnecido no Largo da Estação e responsável pela vigília da Rua da Linha foi quem primeiro começou com essa história de lobisomem. Dizia ele que em uma noite de sexta-feira, quando o relógio bateu meia-noite, viu sair correndo da Rua da Linha uma criatura estranha como um cachorro, porém maior. Corria como se fosse uma pessoa tentando andar de quatro pernas, meio desengonçado. A criatura correu ligeiro e subiu a Rua do Campo da Várzea, deixando o guarda tomado pela surpresa. No dia seguinte a história estava na boca do povo.
Tido como doido por muitos da região, o bom povo quintavelhense não deu muita linha para a conversa do Guarda Apolônio, diziam que ele levava a vida era de fofocar da vida alheia e aquela era só mais uma forma d’ele chamar a atenção. É fato que o Guarda gostava de pastorear a vida alheia e comentar com seus conterrâneos o que via e ficava sabendo, afinal fazia parte de sua função digna de proteger aquele bom povo. O importante é que o Guarda Apolônio prometeu provar sua história. Na manhã seguinte o povo deu conta de que vários galinheiros foram invadidos e as galinhas devoradas, porcos e vacas amanheceram estraçalhados. Aí começaram a dar valor para a história do Guarda.
A semana foi agitada. A Régia Estação de Trem recebeu grande movimentação de potiguares, quintavelhenses e maurenses devido aos rumores sobre o lobisomem e o Crônicas do Riachuelo teve sua maior tiragem, com uma entrevista exclusiva com o dito Guarda e até um retrato falado do tal lobisomem desengonçado. Criadores dos animais atacados faziam exposição dos pedaços dos bichos e das marcas dos dentes e unhas da criatura. Em sua entrevista Apolônio prometeu: iria capturar a criatura.
Então uma nova sexta-feira chegou. Às oito da noite todos já estavam trancados, com exceção do velho Bio e de Dona Francisquinha, que haviam colocado cadeiras de balanço na calçada para assistir à luta do Guarda contra o Lobisomem. Apolônio armou-se com um Mosquetão Mauser 7x57 e um Revólver Colt .38 SPL, armas padrão da Guarda Nacional à época.
Posicionou-se no telhado da Régia Estação de Trem como um franco-atirador e aguardou. O relógio demorou a bater meia-noite, mas ela chegou. Esperto, Apolônio amarrou um porco gordo na cerca do Campo da Várzea para servir como isca, e a artimanha deu certo. Ao invés de correr em disparada, o Lobisomem dessa vez saiu da Rua da Linha em marcha cadenciada, mais atento. Ao visualizar sua presa, prostrou-se em postura de ataque muito semelhante à de um cachorro e então disparou em sua corrida bamba até voar em cima do porco e começar a devorá-lo.
Os tiros do Mauser ecoaram pelo Largo da Estação e pelas ruas do Campo da Várzea e da Linha. De cima do telhado o Guarda Apolônio viu a criatura cair ao chão. Escondido atrás de uma moita, o repórter do Crônicas do Riachuelo saiu apavorado com as pernas bambas, em sua caderneta as palavras eram formadas por verdadeiros garranchos, tamanha era sua tremedeira.
Logo a rua ficou cheia. Seu Bio e Dona Francisquinha correram como nunca mais haviam corrido. O salvador da Quinta Velha, o Guarda Apolônio, teve dificuldade para chegar próximo à sua presa, mas lá estava ela. Era uma criatura horrenda, o corpo tomado por pelos negros e era um misto de forma canina e humana. Tinha por volta de um metro e setenta, um e setenta e cinco no máximo. Ali estava o Lobisomem da Quinta Velha.
Levado para a Cadeia Pública o bicho foi trancafiado em uma das celas. O Padre da Igreja da Beata Ana Rosa Gattorno foi chamado às pressas para a guarnição. Lá identificou o Lobisomem e explicou aos presentes: ao amanhecer a criatura voltaria a ser humana e saberemos quem o Guarda Apolônio teria matado. Um longo debate quis se iniciar, seria Apolônio um assassino ou um salvador? A verdade é que os criadores de animais da região e a maioria da população da Freguesia da Quinta Velha apoiaram o Guarda.
Assim que o galo cantou todos voltaram suas atenções para a criatura presa na cela. Ela começou a se contorcer gastando o resto de vida que ainda lhe restava. Aos poucos o lobo gigante e deformado foi dando lugar a um corpo humano e totalmente despido. Minutos depois a pessoa era completamente reconhecível, se tratava do Velho Antônio Eusébio.
O Velho Eusébio era um homem estranho. Nascido em Assú, mudou-se para a capital potiguar ainda na adolescência, buscando emprego. Conseguiu se estabelecer em Natal trabalhando com construção civil e acabou aproveitando uma oportunidade do Governo da Quinta Velha para promover a ocupação do território e adquiriu um bom pedaço de terra onde instalou um sítio na Rua da Linha. Não tinha amigos e não era visto com frequência, com exceção dos horários em que alimentava seus bichos e saia para seus afazeres. Tinha sempre a aparência cansada e vivia desconfiado, andava apressado e não admitia movimentações perto de sua casa, sobretudo à noite. Agora todos sabiam o motivo.
Compadecidos, mandaram chamar o médico da Casa de Saúde da Quinta Velha para atender ao homem, mas o médico só foi encontrado na “Casa da avó”, um estabelecimento de entretenimento adulto um pouco distante. Quando ele chegou já era tarde demais, o homem havia morrido. A história diz ainda que um longo silêncio tomou a cadeia naquele momento e lá mesmo decidiram todos bancar o funeral e enterro do homem que era lobisomem. O Guarda Apolônio deu todo o seu soldo para ajudar nas despesas e Antônio Eusébio foi enterrado no cemitério do Alecrim, na cidade de Natal.
Desde estes acontecimentos o sítio do Velho Eusébio está fechado e intacto. Várias petições já foram feitas a este Régio Instituto, órgão responsável pela administração dos prédios e monumentos históricos, para que a casa seja aberta e averiguada por pesquisadores, que buscam ainda entender a figura do Velho Eusébio, mas esta permissão ainda não foi concedida em respeito à memória do morto. O Guarda Apolônio, após seu ato de bravura, foi condecorado pela Guarda Nacional, mas acabou fora das fileiras da distinta instituição. Tomado pela culpa, afundou-se nas bebidas e nas graças das prostitutas da Casa da Avó e não cumpriu mais suas funções militares com eficiência.
E essa foi a história do Lobisomem da Quinta Velha se falarmos do mito, mas também do assassinato do Velho Antônio Eusébio, se falarmos da pessoa. De toda forma até hoje é uma história contada entre os cidadãos da Quinta Velha e que é parte presente da cultura e história da Quinta Velha.